quinta-feira, 8 de julho de 2010

Aldo Arantes e o Código Florestal: Relatório Polêmico

Reproduzo aqui o artigo de Aldo Arantes, secretário nacional de meio ambiente do PCdoB, a cerca das modificações no Código Florestal:



Aldo Arantes e o Código Florestal: Relatório Polêmico

A divulgação do Relatório da Comissão Especial que trata de modificações ao Código Florestal, elaborado por Aldo Rebelo, tem provocado intensos debates com posições radicalizadas a favor e contra. A importância do tema exige uma análise objetiva e multifacética.

Aldo Arantes*


O Relatório destaca corretamente o interesse das nações ricas na apropriação dos recursos naturais e a tentativa de impedir o crescimento das nações em desenvolvimento. Ressalta a disputa comercial com os países desenvolvidos pelo mercado da carne, açúcar, algodão e soja. A manipulação dos países desenvolvidos para sufocar a produção dos países em desenvolvimento fica expressa, entre outras medidas, através da política protecionista em relação aos seus produtos agrícolas e das ações desenvolvidas na OMC não aceitando o “livre mercado” para os produtos agrícolas e impondo tal regra para os produtos industrializados. Onde eles são fortes, impõem o “livre mercado” e onde são frágeis impõem a política de subsídios.

A política de impor restrições à produção agro-pecuária dos países em desenvolvimento ficou mais explícita com a divulgação do relatório “Florestas lá, plantações aqui” onde se afirma cinicamente “Eliminar o desmatamento nos trópicos até 2030 limitará a receita para expansão agrícola e para a atividade madeireira nos países tropicais, nivelando o campo do jogo para os produtos americanos no mercado global”. A autora principal do relatório é Shari Friedman, ex-funcionária do governo Clinton, quando trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA, a Agência de Proteção Ambiental), analisando políticas domésticas de mudanças climáticas e a competitividade internacional. Ela também fez parte da equipe norte-americana de negociações para o Protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos se negaram a assinar. Não enxergar esta gritante manobra do imperialismo norte-americano é total ingenuidade ou intenção consciente de favorecer empresas estrangeiras.

Todavia, o Relatório absolutiza a disputa comercial e não ressalta, devidamente, a questão ambiental. Reconhecer a manipulação feita pelo imperialismo na questão agrícola não retira a necessidade de dar um tratamento adequado ao meio ambiente. Nos dias atuais, em que a questão ambiental é melhor compreendida e incorporada à pauta da luta antiimperialista e pelo socialismo, há que combinar o desenvolvimento com o meio ambiente.

O texto do relator destaca o papel positivo da agricultura na produção de alimentos e nas exportações brasileiras. Tal ponto de vista coincide com a defesa do PCdoB de uma união ampla dos diversos segmentos da sociedade, incluindo o setor produtivo industrial e agrícola, em torno de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que assegure uma Nação forte, democrática e com justiça social.

Por isto mesmo o reconhecimento do papel positivo da agricultura na produção não nos exime de pontuar as consequências negativas que certo tipo de produção agro-pecurária acarreta para o meio ambiente e para os trabalhadores. Ela utiliza agrotóxicos, realiza queimadas, desmatamentos, destrói matas ciliares assoreando os rios, gasta excessivamente água para um método ultrapassado de irrigação e retira do solo nutrientes com o método corrente de plantio agrícola. Adota o trabalho semelhante ao trabalho escravo e trabalho de menores. Uma análise objetiva do agronegócio não deve conduzir à sua demonização, mas também não deve conduzir ao seu endeusamento, não ressaltando seus aspectos predatórios.

É feita correta análise dos que criticam o antropocentrismo e que, na relação entre o homem e a natureza, erigem a natureza como aspecto decisivo. Tal ponto de vista conduz a uma absolutização da natureza e tem como decorrência a falsa idéia de preservar a natureza impedindo o desenvolvimento, sendo que o desenvolvimento é o caminho indispensável para enfrentar os problemas da fome e da miséria.

De forma oportuna é feita uma crítica à falsa idéia Malthusiana de que o crescimento da população é fator de grande relevância na crise ambiental.

É feita, também, uma importante crítica à tentativa de transformar a Amazônia em santuário intocável, impedindo o seu desenvolvimento. Como grande repositório de recursos naturais, os países imperialistas querem barrar o seu desenvolvimento para assegurar uma fonte importante de matérias primas para o futuro. No entanto o texto não destaca a ação predatória realizada na Amazônia, sobretudo, com o desmatamento que tem sido realizado. A combinação de desenvolvimento e meio ambiente implica no desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Ao falar da emissão de gases de efeito estufa provocados pela agro-pecuária o relatório destaca que não há consenso de que as mudanças climáticas decorram da ação humana. Todavia não informa que a grande maioria dos cientistas defende a tese da responsabilidade humana, sobretudo dos países desenvolvidos no aquecimento global. Bem como o fato de que tal ponto de vista é defendido pela quase totalidade dos países inclusive dos principais países emergentes entre o quais Brasil, China e Índia. No texto “China Políticas e Ações para combater as alterações climáticas” afirma-se “Desde a revolução industrial, as atividades humanas, especialmente o consumo maciço de energia e de recursos pelos países desenvolvidos no processo de industrialização, têm aumentado as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, produzido impactos visíveis sobre os ecossistemas naturais da Terra, e graves desafios colocados para a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade humana”.

Esta questão tem importante conseqüência. Isto porque se o decisivo no aquecimento global for a natureza e não a ação humana, não há porque limitar a emissão de gases de efeito estufa produzidos pelo desenvolvimento.

O substitutivo estabelece o tamanho das Áreas de Preservação Permanente (APPs), praticamente, nos mesmos termos do Código Florestal. Fato grave, no entanto, ele abre caminho para uma acentuada redução das APPs ao assegurar aos estados e distrito federal o poder de reduzir ou aumentar em 50 % as faixas mínimas das marginais dos cursos d’água, do entorno dos lagos e das nascentes e olhos d’água. Segundo o texto do relator tal decisão estará condicionada ao Zoneamento Econômico-Ecológico e ao Plano de Recursos Hídricos elaborado para a bacia hidrográfica. Esta modificação decorreria da necessidade de dar um tratamento diferenciado às áreas de produção já consolidadas. Todavia, permitir que os estados reduzam as dimensões das APPs trará graves prejuízos ao meio ambiente. As assembléias legislativas da grande maioria dos estados edstão sob forte influência do agro-negócio e, evidentemente, as APPs serão reduzidas e não aumentadas. Isto porque o posicionamento em torno da função social e ambiental da terra está fortemente influenciado pela posição de classe dos grandes produtores que visam mais áreas para a produção, sem levar em conta o meio ambiente. Na Constituinte, quando os mesmos setores defenderam que a reforma agrária ficasse sob a responsabilidade dos estados foi com o mesmo argumento que as forças defensoras desta importante reforma se colocaram contra.

Cabe ressaltar que estudiosos no assunto destacam que o tamanho das APPs não decorre, fundamentalmente, do seu papel na preservação da água e do solo. Se se tratasse apenas destes aspectos a questão colocada pela Embrapa de que as encostas devem ser o fator predominante nesta definição seria adequada. Todavia além de proteger a água e o solo as APPs têm um importante papel na preservação da biodiversidade. E este é o fator decisivo para determinar o tamanho das APPs já que ela exige uma maior faixa para a sua proteção. Por isto mesmo estudiosos do tema consideram que o Código Florestal define corretamente os limites das APPs e que sua redução trará sérios prejuízos à biodiversidade.

Contudo a importância da biodiversidade ainda é pouco reconhecida pela sociedade brasileira. Incluindo todos os produtos da evolução orgânica, ou seja, a vida biológica do planeta, de genes até espécies e ecossistemas, a biodiversidade ganhou grande importância com os avanços da engenharia genética e o consequente aproveitamento dos recursos biológicos e genéticos como matéria-prima para as modernas tecnologias. Tal fato confere à biodiversidade um valor estratégico no chamado novo paradigma tecnológico passando a ser fator de acirradas disputas geopolíticas. E a preservação da vegetação natural é condição para a preservação da biodiversidade.

O texto do relatório define os percentuais da Reserva Legal assegurando aos pequenos proprietários, de até 4 módulos fiscais, a incorporação da Reserva Legal na APP. Nas condições da legislação atual o produtor familiar, com uma pequena propriedade, fica com uma área muito limitada para a sua produção. Tal dispositivo incorporado ao substitutivo é justo, pois não é aceitável dar o mesmo tratamento à pequena e à grande propriedade rural. Em Audiência Pública realizada na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul foi feito um entendimento entre os produtores familiares e o Ministério do Meio Ambiente nos mesmos termos do incorporado ao substituto do Código Florestal. No sentido de impedir manobras por parte dos grandes proprietários o substitutivo estabeleceu que ,com o fracionamento do imóvel, as dimensões da Reserva Legal deverão ser fixadas em função da área do imóvel anterior ao fracionamento.

Outro fato que atenta contra o meio ambiente é a possibilidade de grandes proprietários poderem incorporar as áreas das APPS no cálculo do percentual da Reserva Legal. Tal medida reduzirá em muito as áreas de Reserva Legal, com sérios prejuízos ao meio ambiente. Tal dispositivo estende aos grandes proprietários o benefício corretamente assegurado aos pequenos.
Outro dispositivo prejudicial ao meio ambiente diz respeito à possibilidade do Programa de Regularização Ambiental assegurar que áreas rurais consolidadas sejam eximidas da exigência da recuperação das APPs. Grave problema porque aí diz respeito não somente à biodiversidade, mas também à conservação do solo e das águas, questão fundamental inclusive para a própria agricultura.

Dispositivo bastante positivo diz respeito à garantia de que durante cinco anos não será permitida a supressão de florestas nativas para estabelecimento de atividades agropastoris.
Uma análise multilateral do substitutivo revela aspectos positivos. Todavia os aspectos negativos são muito maiores e resultam em graves prejuízos ao meio ambiente.

* Aldo Arantes é ex-presidente da UNE e Secretário Nacional do Meio Ambiente do PCdoB

Disponível em:
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=132780&id_secao=1

Marcos Antonio Silva
Dirigente Estadual
UJS-ES

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